sábado, 31 de agosto de 2013

Tentação maléfica

Muitos dos telefonemas que uma colega minha fazia de Bruxelas para Portugal começavam da seguinte forma:

- 'Olá, tudo bem?'
....
- 'E está bom tempo aí?'
....
- 'Assim não vais fazer muitos amigos em Bruxelas.'

Correndo o risco de passar por uma provocadora, confesso que uma tentação maléfica que me tem perseguido nos últimos dias.  É uma vontade quase repugnante de dizer que estou... farta do calor!

Cruz credo! Como pude eu sequer formular tal pensamento?! Felizmente a minha capacidade de auto-censura é mais rápida do que a minha sombra, e ainda não passei pela vergonha de fazer tal afirmação em voz alta. Até fico meio zonza só de pensar nisso: não terei eu qualquer consideração por todos os meus amigos que vivem em terras menos solarengas? Já me terei eu esquecido do quão me queixei das muitas insuficiências do verão belga?

Mas não é só por ter tido de usar collants a meio de Agosto no meu primeiro verão belga que eu me retenho de dizer tal blasfémia. É também porque o calor sabe mesmo bem.  Ainda hoje, 31 de Agosto, saio de casa às 20h30 para ir ao supermercado (que por sinal, está aberto todos os dias do ano das 9 às 21h) vestida como se fosse para a praia, sinto o ar quente todo à minha volta e penso: Que delícia.

E lá se vai a tentação maléfica por mais uns dias. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Old habits die hard

Embora já esteja a cumprir quase 3 meses de vida em Portugal, às vezes ainda...
1. Fico espantada quando vejo uma sucursal da Caixa Geral de Depósitos. Penso: 'Olha, aqui há bancos portugueses.'
2. Fico a olhar para as matrículas dos carros e a pensar: 'Tantos portugueses...'
3. Respondo, quando me pedem o número de telefone: 'O de cá?´'

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Um projecto

Se conhecer é o primeiro passo para amar, como gostar de um país se não ficamos íntimos da sua História*, e, acrescento eu, da sua gente, literatura, gastronomia, geografia ...

* Passeio ao Alto Minho, de Lúcia Machado de Almeida

Um dos meus projectos para esta temporada de férias alargadas (ainda me sobram 4 meses) é estudar a história de Portugal e visitar o país. Tenho muitas lacunas que quero colmatar, não só por uma questão de cultura geral, mas também para tentar resolver um assunto pessoal.

A verdade é que, sendo eu franco-portuguesa de apelido russo, tendo estudado sempre em francês e vivido entre os 18 e 30 anos fora do país, às vezes penso que o que mais tenho de português é o meu nome: Maria João. Mais português não há: aquele é um nome que não existe em mais parte nenhuma do mundo. Quantas vezes tive eu de explicar a estrangeiros que não, João não é ‘Jane’, nem ‘Jeanne’, nem ‘José’. Que apesar de João ser masculino, o nome ‘Maria João’ era feminino. Quantas versões diferentes eu ouvi do meu nome, quantas vezes eu acabei por baixar os braços e dizer: ‘Just call me Maria, it’s fine’.

E o que há por trás desse nome tão nosso? Uma mãe portuguesa, o domínio da língua lusa, familiares ao serviço da pátria. É muito, mas no meu caso não parece ser suficiente para dissolver a sensação difusa de fraude que surge quando digo ser portuguesa.

De acordo com Ernest Renan, um dos pilares essenciais da nação é a "vontade de continuar a fazer valer uma herança que se recebeu íntegra". É essa herança em falta que eu espero começar a recuperar e absorver nos próximos 4 meses, com o objectivo de começar a sentir-me mais ligada ao país e à minha identidade profunda. 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Super rich kids with nothing but loose ends, super rich kids with nothing but fake friends*

Fui hoje ver o novo filme de Sofia Coppola, The Bling Ring. Gostei, como sempre, da banda sonora, dos actores (achei Claire Julien perfeita no seu papel de jovem rica entregue a si própria), e da fotografia. Fiquei tocada com o retrato destes adolescentes à deriva, que procuram preencher um enorme vazio afectivo por roupa e acessórios de luxo roubados às vedetas de Hollywood. Há momentos, a que Coppola já nos habituou nos seus outros filmes sobre a adolescência, de grande sensibilidade e poesia. No entanto, na sua globalidade, o filme desilude.  Coppola explica numa entrevista ter deliberadamente escolhido manter-se neutra, para não 'impor' qualquer julgamento de valores ao espectador. Pena, porque esse distanciamento acaba por tornar o filme superficial, repetitivo e descriptivo.

* Frank Ocean, Super Rich Kids



terça-feira, 20 de agosto de 2013

A ponta do iceberg


 Regressei hoje a Lisboa após um passeio de 3 dias pelo norte do país. Foi uma estadia curta, mas soube a muito: Viana do Castelo, Moledo, Caminha, Vila Nova de Cerveira, Vigo. Foi uma delícia redescobrir imagens, traços arquitectónicos e cheiros característicos do Norte e que fazem parte das minhas memórias de infância: pequena, passei o que na altura eram dias a fio cheios de tédio, na Casa de Freitas - uma casa de família perto de Amarante. Hoje em dia, o meu olhar sobre essas estadias é naturalmente outro. Foi um privilégio conhecer essa casa mágica, chamá-la minha, e poder lá por lá deambular, brincar às ‘damas antigas’, imaginar-me protagonista no baile de ‘E tudo o Vento Levou’ onde se dá o anúncio da guerra civil americana. Foi graças à Casa de Freitas que pude brincar com montes de feno, atravessar estábulos cheios de vacas, beber leite acabado de ser ordenhado, assistir, de madrugada, ao nascimento de uma vitela, ver a Dona Emília matar a galinha que nos ia servir ao jantar, comprar patinhos pequenos no mercado, tomar banho na água gelada do tanque, ver cemitérios cheios de flores na altura do 1º de Novembro  - em suma,  viver num tempo antigo, rural, e, no que me diz respeito, desaparecido.

É assim. Isto do ‘retour au pays’ após 12 anos de emigração mexe connosco. Desde que regressei a Portugal  que uma sucessão de memórias já há muito esquecidas têm feito irrupção na minha mente. É ler o nome de uma terra que há muito visitei numa placa de sinalização na auto-estrada, é ouvir uma expressão popular, é um cheiro, uma luminosidade... e estou a reviver momentos de uma outra vida. É quentinho, e ao mesmo tempo doloroso.


Viana do Castelo

Poster de apoio às touradas no centro de Viana

Vila Nova de Cerveira

A vista de dia da casa onde ficámos
O pôr do sol, visto da mesma casa

A praia de Carreço